Yoga & Dieta Alimentar: uma relação mais consciente
Quando pensamos em yoga, é comum imaginarmos apenas posturas e meditação. Mas a prática vai muito além do tapete: é uma filosofia de vida que nos convida a trazer mais consciência para todas as áreas do quotidiano.
E uma das áreas onde essa consciência também se manifesta é na forma e nas escolhas que fazemos na nossa alimentação.
O yoga não dita dietas, ensina-nos a ouvir
Existe uma ideia de que para se ser “um verdadeiro yogi” é preciso seguir uma dieta vegetariana ou vegana. Mas o yoga não é uma lista de regras nem um manual fechado. O yoga é, acima de tudo, um caminho de autoconhecimento.
Através da prática, aprendemos a observar os sinais do corpo, a perceber de que forma os alimentos nos afetam, e a reconhecer quando estamos a comer por necessidade, por hábito ou por emoção.
Não se trata de “podes comer isto” ou “não podes comer aquilo”, mas de criar uma relação mais consciente com aquilo que comes.
A filosofia yogi e a alimentação
Nos textos clássicos de yoga encontramos o conceito de Ahimsa — a não-violência. Este é um dos princípios fundamentais do yoga, a não-violência e o respeito a todos os seres vivos. Muitas pessoas estendem este princípio à alimentação, como um convite ao vegetarianismo. Mas Ahimsa vai além da comida: é também não violentar o próprio corpo com dietas extremas, não se criticar em excesso, não entrar em ciclos de culpa depois de uma refeição.
Outro conceito importante é o de Sattva — o estado de clareza e equilíbrio.
Alimentos frescos, naturais e pouco processados tendem a trazer essa energia ao corpo e à mente. Mas mais uma vez, não se trata de rigidez. É sobre procurar aquilo que nutre de forma verdadeira, sem perder a autenticidade.
A minha história com a alimentação e o yoga
Nunca tinha parado para pensar seriamente sobre a minha alimentação até viajar para a Índia para fazer o curso de yoga. Durante 30 dias segui uma alimentação ayurvédica, sem carne nem peixe, como parte da rotina intensiva da formação.
Coincidência ou não, logo após o curso acabei por apanhar febre tifóide. Os sintomas foram graves e estive internada quase um mês. Sempre associei esta experiência à mudança drástica de dieta que fragilizou o meu sistema imunitário. Este episódio, e consequentes mudanças no meu sistema digestivo, trouxeram-me uma grande lição: percebi que as escolhas alimentares impactam muito mais do que o físico — mexem também com a energia, com a mente e com a nossa vitalidade.
Depois dessa experiência, e por respeitar a ligação de Ahimsa à não ingestão de produtos de origem animal, tentei por várias vezes adotar uma alimentação vegetariana. Mas, em momentos específicos do mês, o meu corpo pedia certos alimentos, como carne. E, em vez de me forçar a seguir uma etiqueta ou uma expectativa, escolhi ouvir essas necessidades e respeitá-las.
Sei que teria sido mais fácil, como professora de yoga, assumir-me vegetariana ou vegan. Seria mais “esperado” do papel que desempenho. Mas desde o início decidi que não queria viver a minha prática em função daquilo que os outros esperam de mim.
Sempre preferi ser honesta comigo mesma e com o que sentia.
Hoje não me considero mais nem menos yogi por comer de tudo. O yoga não me ensinou a seguir regras alimentares rígidas, mas sim a viver com mais consciência.
A verdade é que a minha dieta mudou muito: faço uma alimentação muito mais variada e aumentei em grande medida o número de refeições vegetarianas ao longo da semana. Percebi que não preciso de comer peixe ou carne todos os dias. O importante é manter-me atenta, adaptar-me ao que sinto, às estações do ano e escolher de forma consciente o que realmente me nutre.
A energia dos alimentos
No yoga também aprendemos que a comida é energia. Os alimentos de origem animal, por exemplo, não trazem apenas nutrientes físicos, trazem também a energia do ciclo de vida interrompido desse ser. É por isso que muitas pessoas relatam sentir-se mais pesadas ou agitadas após o consumo de carne.
Não se trata de condenar quem consome produtos animais, mas de criar consciência: perceber como cada alimento te faz sentir, física e emocionalmente, e escolher em função disso.
Ayurveda e a escolha dos alimentos
A Ayurveda, considerada a “ciência irmã do yoga”, vê a alimentação como uma das maiores formas de equilíbrio e cura. Segundo esta filosofia, cada pessoa tem uma constituição única (dosha), e cada estação do ano traz necessidades diferentes.
Isso significa que não deveríamos comer sempre da mesma forma, mas sim adaptar a alimentação ao que a natureza nos oferece em cada ciclo:
No Verão, privilegiar alimentos frescos, hidratantes e leves.
No Inverno, optar por comidas mais quentes, reconfortantes e nutritivas.
No Outono, escolher alimentos que acalmem o sistema nervoso e tragam estabilidade.
Mais do que seguir modas ou embalagens de supermercado, é regressar ao essencial: comer o que nasce na terra e está disponível no momento certo.
Quando alinhamos o prato com o ritmo da natureza, alinhamos também o corpo e a mente com um ciclo de vitalidade mais sustentável.
Optar por qualidade em vez de quantidade, escolher alimentos frescos em vez de processados, é também uma forma de viver yoga fora do tapete.
Mais especificamente, em relação à carne, a Ayurveda não a proíbe totalmente, mas considera-a um alimento pesado e de digestão difícil, que pode gerar toxinas quando o corpo não consegue processá-la adequadamente. Por isso, é geralmente desaconselhada.
Quando consumida, recomenda-se que seja feita de forma consciente:
Preferir o horário do almoço, quando a digestão é mais forte.
Evitar combinações pesadas, como carne com laticínios.
E, acima de tudo, dar prioridade à qualidade e moderação.
Mais do que regras rígidas, a Ayurveda lembra-nos que a comida é energia e deve ser escolhida com respeito pelo corpo, pela mente e pela natureza.
O yoga como guia, não como regra
A prática de yoga ajuda-nos a criar consciência. Essa consciência abre espaço para escolhas mais alinhadas com as nossas necessidades reais. E essas escolhas são individuais: o que funciona para mim pode não funcionar para ti.
Não é a dieta que faz de alguém um “bom yogi”. É a forma como essa pessoa se relaciona consigo mesma, com o corpo e com o mundo. Comer com gratidão, escolher com consciência e respeitar o ritmo do próprio corpo são, para mim, expressões muito mais autênticas do yoga do que seguir qualquer regra externa.
Um convite para ti
No próximo mês, experimenta trazer mais consciência para a tua alimentação.
✨ Se costumas comer proteína animal todos os dias, que tal introduzires mais refeições vegetarianas e perceber como te sentes?
✨ Se já és vegetariano/a, questiona: será que esta dieta está realmente a nutrir-te e a dar-te energia, ou precisas de ajustar algo?
E independentemente da tua escolha alimentar, transforma cada refeição num momento de presença:
Desliga a televisão e o telemóvel.
Observa as cores e a forma dos alimentos no prato.
Sente o aroma antes de começares a comer.
Mastiga devagar, chama os 5 sentidos para a experiência.
Saboreia cada textura, cada ingrediente, percebendo a acidez, a doçura, os contrastes.
No fundo, o yoga não te diz o que comer. O yoga mostra-te como comer — com mais consciência, presença e respeito pelo teu corpo.